Um raga normalmente começa com um alaap, que pode durar segundos - ou até minutos ou horas.
A seguir é cantada uma canção- ou um grupo de canções, em que se entrelaçam improvisações.
Eis um excerto, muito sucinto, de um ensaio recente, cantado por Elsa Braga, tal como apareceria num concerto na Índia, com algumas improvisações intercaladas com a canção original.
Este alaap dura uns 60 segundos, e é seguido por uma canção, tudo em Raga Bhairavi, um dos ragas mais populares, tradicionalmente cantado no fim de um programa de Khyal - a forma de música clássica mais praticada do norte da Índia.
A letra é de Luís de Camões, e a música foi composta por mim (Stephen Bull).
Vi chorar uns claros olhos
Quando deles me partia.
Oh, que mágoa!
Oh, que alegria!
É fácil perceber o que é improvisado e o que é a composição; basta escutar que linhas da canção estão a ser cantadas e ao mesmo tempo tocadas. Quem faz acompanhamento (neste caso eu, em violino, mas pode ser, por exemplo, outro cantor) conhece a canção, e toca ou canta a composição com a voz principal.
Também a improvisar é o tablista - aqui Miguel Lourenço. O tabla mantém o Tala (a métrica, neste caso parecido com um 6/8 ocidental). Secções só cantadas ou tocadas são improvisadas, excepto no fim, quando a Elsa começa a fragmentar a linha “Quando deles … me partia” para fazer uma tihai final; sabendo o que ela ia fazer, acompanhei em violino. (Uma tihai é uma frase cantada três vezes iguais, para terminar uma improvisação ou uma canção.)
Temos andado a experimentar formas de terminar esta canção, e estes pequenos fragmentos são, por agora, o que preferimos. Mas isto não faz parte da composição fixa - por isso, quem sabe se faremos o mesmo ou algo diferente da próxima vez. Tal como acontece com uma canção ‘standard’ de jazz, podemos escolher algo diferente no próximo ensaio, ou mesmo no momento, num concerto.
Se lhe apetece ouvir algo que demora mesmo minutos ou horas, aqui fica algo diferente, dois concertos em que Ricardo Passos cantou Dhrupad, uma forma milenar de música indiana, um pouco mais austera, que deu origem à forma posterior, e mais performativa, o Khyal (que significa, literalmente, “imaginação”), que surgiu desde o século XVIII.
NOTA: A captação de som e imagem foi difícil nestes concertos ao vivo, e esperamos fazer em breve algumas gravações que captem a quietude meditativa desta música.
Aqui temos o Alaap, incluindo Jor Alaap - que é Alaap com ritmo regular, mas sem métrica.
Filmado num concerto no Alentejo: Ricardo Passos: voz, Stephen Bull: violino, Tarun Chattopadhyay, tabla.
A seguir, filmado num concerto em Sintra: uma composição com letra de Ricardo Reis (Fernando Pessoa), e música de Stephen Bull:
Actualizaremos esta página periodicamente com exemplos do nosso trabalho que mostram como a música indiana é improvisada, composta ou aprendida.